
Entenda esquema de corrupção que afastou prefeito de São Bernardo do Campo
A estudante de medicina Gabriele dos Santos Lima Fernandes, filha do prefeito de São Bernardo do Campo, Marcelo Lima (Podemos), recebeu 16 parcelas do auxílio emergencial entre 2020 e 2021 durante a pandemia de Covid-19. Na época, seu pai era o vice-prefeito da cidade.
Marcelo Lima foi afastado do cargo por um ano pela Justiça nesta quinta-feira (14). Ele é investigado por uma operação da Polícia Federal que apura um suposto esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na prefeitura da cidade, que fica na Grande São Paulo. Dois empresários e um servidor foram presos.
Lançado em abril de 2020 pelo governo federal para atenuar os impactos econômicos provocados pela pandemia para pessoas em situação de vulnerabilidade, o auxílio emergencial foi dividido em duas etapas: nove parcelas em 2020 e sete em 2021.
Gabriele recebeu as 16 parcelas. Cinco delas no valor de R$ 600; outras quatro, de R$ 300; e mais sete de R$ 150. A soma dos valores é de R$ 5. 250.
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A estudante também foi citada pela investigação em outros tipos de pagamento.
De acordo com a PF, trocas de mensagens entre Marcelo e Paulo Iran, servidor da Alesp apontado como operador financeiro do prefeito e que está foragido, indicam que ele pagou ao menos uma mensalidade da faculdade dela, no valor de R$ 8.284,95.
Conforme a investigação, ainda foi localizado, nas trocas de mensagens, o pagamento de um boleto de R$ 2.565 identificado como “Boleto de Bibi”. Segundo a PF, Bibi é o apelido de Gabriele.
A investigação começou no mês passado, a partir da apreensão de quase R$ 13 milhões e US$ 157 mil em espécie — totalizando cerca de R$ 14 milhões — que estavam com Paulo, considerado o operador do esquema. Há um mandado de prisão decretado contra ele.
O dinheiro foi encontrado por acaso: a PF estava num prédio no dia 7 de julho para prender outro alvo e abordou o servidor, que é auxiliar legislativo da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
Os policiais encontraram R$ 583.300 no carro dele. Depois, numa sala no mesmo prédio, apreenderam R$ 12.278.920 e US$ 156.964.
Em nota, o advogado de Paulo informou que “aguarda acesso aos autos, onde se manifestará”.
Também por um comunicado, o Podemos, partido de Marcelo Lima, informou que confia na lisura da conduta do prefeito afastado e que acredita “ser necessária prudência em relação a todo tipo de manifestação leviana” (leia mais abaixo a íntegra).
Procurada, a gestão do prefeito Marcelo Lima (Podemos) não havia respondido até a última atualização desta reportagem. O g1 também tenta localizar a defesa de Gabriele.
Pagamento de contas
Na época em que os policiais encontraram o dinheiro com Paulo, ele não chegou a ser preso, mas os agentes se debruçaram na análise do celular dele e descobriram uma relação muito próxima e direta com o prefeito da cidade.
Segundo a polícia, o servidor pagava contas do prefeito, da esposa e da filha dele.
Paulo Iran atua como assessor do deputado Rodrigo Moares (PL). Em nota, o deputado informou que irá exonerá-lo do cargo.
“Assim que tomei conhecimento através da imprensa de investigações e suspeita de envolvimento do servidor Paulo Iran em qualquer questão que envolve investigações na cidade de São Bernardo já tomei as devidas providências de exoneração para manter transferência, ética e moral para as devidas investigações. No meu mandato não aceito qualquer suspeita de corrupção ou conduta indevida”, disse o deputado.
Dinheiro apreendido pela Polícia Federal com servidor da Alesp no dia 7 de julho
Divulgação/PF
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A PF cumpre nesta quinta 20 mandados de busca e apreensão e medidas de quebra de sigilos bancário e fiscal nas cidades de São Paulo, São Bernardo do Campo, Santo André, Mauá e Diadema.
As ordens judiciais foram expedidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e incluem ainda afastamento de cargos públicos e monitoramento eletrônico de investigados.
Os envolvidos poderão responder por organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção passiva e corrupção ativa.
Na manhã desta quinta, os prefeitos do ABC Paulista iriam se reunir com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), na 168ª Assembleia Geral do Consórcio Intermunicipal Grande ABC.
O evento aconteceria em Santo André, mas foi cancelado logo depois da divulgação da operação da Polícia Federal. O prefeito de São Bernardo também participaria da assembleia.
Indícios de propina
Segundo a PF, há indícios de corrupção e pagamento de propina em contratos com empresas nas áreas de obras, saúde e manutenção. Cerca de R$ 1,9 milhão em dinheiro vivo foi apreendido nesta quinta com alvos diferentes, mas o trabalho de contagem ainda está em andamento.
A polícia chegou a requerer a prisão de Lima, mas a Justiça negou o pedido. No entanto, determinou o afastamento dele do cargo e o uso de tornozeleira eletrônica, que seria colocada logo após as buscas na casa dele. Ele também está proibido de sair de casa à noite e nos finais de semanas, de ter contato com os demais investigados e de sair da cidade sem autorização judicial.
O presidente da Câmara Municipal da cidade e primo do prefeito, vereador Danilo Lima Ramos (Podemos), também foi afastado das funções públicas por decisão judicial. Outro alvo da operação foi o suplente de vereador Ary José de Oliveira (PRTB).
O g1 também tenta localizar a defesa do vereador e do suplente.
O prefeito afastado Marcelo Lima (Podemos), ao lado do suplente de vereador Ary José de Oliveira (PRTB); à direito, o presidente da Câmara Municipal, Danilo Lima (Podemos).
Montagem/g1/Reprodução/Redes Sociais
Com o afastamento do prefeito, quem assume o comando da cidade é a vice-prefeita, Jessica Cormick, do Avante. Aos 38 anos, ela é sargento da Polícia Militar e está no seu primeiro cargo público eletivo.
Na operação, batizada de Estafeta, foram presos em flagrante os empresários Edmilson Carvalho, sócio da Terraplanagem Alzira Franco Ltda., e Caio Fabbri, sócio da Quality Medical, que têm contrato com a prefeitura. Nas casas deles, a PF apreendeu grandes quantias. (Veja foto abaixo.)
Também foi preso Antonio Rene da Silva, que é servidor da Prefeitura de São Bernardo e atua como Diretor de Departamento na Secretaria de Coordenação Governamental. Havia um mandado de prisão contra ele.
A defesa deles ainda não foi localizada.
Dinheiro apreendido pela PF nesta quinta-feira (14), em endereços ligados a empresários e servidores que participavam do esquema de corrupção em São Bernardo do Campo (SP).
Montagem/g1/Reprodução/TV Globo
👉 Em nota, a Prefeitura de São Bernardo informou “que irá colaborar com todas as informações necessárias em relação ao caso”. Disse ainda que “a gestão municipal é a principal interessada para que tudo seja devidamente apurado. Reforçamos que o episódio não afeta os serviços na cidade”.
O que diz o Podemos
“Em oito meses de mandato, nós, do Podemos, reconhecemos o grande trabalho que nosso prefeito de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, Marcelo Lima, vem realizando pela população e na cidade.
Confiamos na lisura da conduta de Marcelo Lima e acreditamos também ser necessária prudência em relação todo tipo de manifestação leviana, sem as devidas informações acerca das recentes investigações.
Reafirmamos nossa crença na importância de que as apurações devam ocorrer com responsabilidade e respeito às garantias legais, inclusive com o necessário direito de defesa.”