
Pesquisa foi feita em Florianópolis, que tem projeto para permitir cachorros nos balneários. Investimento em saneamento básico e controle de animais errantes são algumas das propostas para tornar presença de cães nas praias mais segura. Apesar de proibição por lei,tutores levam cães para praias de Florianópolis
A presença de cães nas praias é uma realidade em Florianópolis, apesar da proibição por lei. A situação e os debates sobre o comportamento de tutores inspiraram uma dissertação feita por uma aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O estudo concluiu que uma eventual autorização para a presença de cachorros nos balneários estaria condicionada a espaços delimitados para permanência e fiscalização contínua.
“De um lado, existe uma demanda crescente por espaços públicos onde os tutores possam desfrutar momentos de lazer com seus cães. De outro, há um cenário sanitário que já apresenta riscos, como a presença de parasitas zoonóticos em fezes de cães em praias, evidenciada em estudos anteriores”, explicou a autora, a médica-veterinária Carla Roberta Seára Willemann.
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O trabalho foi feito seguindo estas etapas:
🔎Observação local da presença de cães nas praias de Florianópolis;
📚Revisão sobre a presença de parasitas em fezes de cães em praias;
🏖️Análise de praias internacionais que permitem cães;
🖥️Análise de avaliações online de banhistas que frequentam praias em que cães são permitidos.
As visitas para observação dos cachorros nos balneários foram realizadas durante as temporadas de primavera e verão de 2022 e 2023. O restante do trabalho aconteceu em 2023 e 2024.
A dissertação foi publicada no ano passado e divulgada pela UFSC no início deste mês. Em Florianópolis, um projeto para permitir cães nas praias, em locais e horários específicos, tramita na Câmara de Vereadores.
Pelas conclusões do estudo uma eventual autorização para a presença de cachorros nos balneários precisaria de diretrizes relacionadas a:
local para descarte adequado das fezes dos animais;
identificação dos cães;
delimitação da área onde podem ficar;
fiscalização.
A pesquisa também conclui que há locais mais adequados do que praias para a presença de cães (leia mais abaixo).
Cachorro em praia de Florianópolis – presença desses animais na orla é proibida por lei
Carla Roberta Seára Willemann/Divulgação
Observação e revisão sobre parasitas
Durante a parte de observação do trabalho, a veterinária encontrou cães nas praias de Florianópolis, tanto sozinhos como acompanhados de tutores.
Carla reitera que um dos principais problemas associados à presença de cachorros nos balneários é a contaminação do ambiente com fezes contendo parasitas.
“No Brasil, os índices de infecção parasitária em cães são bastante elevados, e a areia da praia oferece condições favoráveis para a sobrevivência e proliferação desses agentes — devido à sua permeabilidade, calor e umidade”, disse a veterinária.
O estudo não realizou análises laboratoriais próprias da areia. No entanto, a dissertação cita pesquisas anteriores que identificaram parasitas em fezes de cães e em amostras de areia em praias da região, o que evidencia potenciais riscos à saúde humana e ambiental.
Foram descobertos, nessas pesquisas anteriores, 27 parasitas diferentes nas fezes de cachorros. Um dos mais frequentes é o do gênero Ancylostoma, causador do “bicho geográfico” — uma infecção comum entre frequentadores de praias.
“A busca pelo termo ‘bicho geográfico’ nos mecanismos de busca do Google, por exemplo, aumenta em mais de 85% nos meses de verão na região de Florianópolis, o que pode indicar a existência de um problema sanitário subnotificado pelos sistemas oficiais de vigilância. Além disso, outras doenças menos conhecidas, como a Larva Migrans Visceral, causada pelo Toxocara, podem provocar manifestações clínicas graves anos após a infecção inicial”, alertou Carla.
Três cães sozinhos na Barra da Lagoa, em Florianópolis
Carla Roberta Seára Willemann/Divulgação
Descarte adequado
O destino das fezes animais também é uma preocupação da pesquisadora. “Com base no número de cães no Brasil, estima-se que sejam produzidos mais de 2 milhões de quilos de fezes por dia — o equivalente a cerca de 100 carretas diárias”.
Em relação à Florianópolis, as conclusões não são animadoras. “Observou-se que, mesmo quando os tutores recolhem os dejetos, o destino final costuma ser inadequado”, disse a pesquisadora.
A prefeitura orienta que as fezes de cães sejam descartadas no vaso sanitário.
Para minimizar esse problema da destinação correta em uma hipotética liberação de cães nas praias, a pesquisa sugere:
tutores precisam ter acesso a lixeiras específicas para que haja segregação de outros materiais;
as lixeiras precisam ser impermeáveis, ou seja, é necessária efetiva vedação, impedindo a contaminação do solo;
deve-se desenvolver um modelo de lixeiras exclusivas, removíveis e retornáveis para este fim.
Praias no exterior que permitem cães
A pesquisa também verificou regras e comentários de banhistas sobre praias que permitem cães na Austrália, Espanha, Estados Unidos e África do Sul.
“As praias dog-friendly são muito valorizadas pelos tutores como espaços de lazer e socialização com seus cães. No entanto, mesmo nos países com regulamentação, há desafios comuns, como o descumprimento de regras, por exemplo, o uso de coleira, a presença de cães em áreas de preservação, o manejo inadequado das fezes, a perturbação da fauna, ocorrências de ataques e conflitos entre usuários. Esses problemas são relatados em diferentes partes do mundo”, resumiu Carla.
O estudo identificou diferentes modelos de gestão de praias que permitem cães:
acesso livre dos cães em uma área delimitada, sem cercas;
permissão de acesso a toda a praia (ou parte dela), desde que os cães estejam na coleira;
acesso misto, com ou sem coleira, dependendo da época do ano ou do horário;
espaços cercados e exclusivos para cães e seus tutores, nos quais os animais podem permanecer soltos.
Nas chamadas praias dog-friendly, a pesquisa encontrou as seguintes exigências aos tutores, em geral:
🪪registro e identificação do animal;
📋apresentação de atestado de saúde atualizado;
🐕🦺uso obrigatório de coleira em determinadas áreas;
🌼respeito a áreas de proteção ambiental;
🚮recolhimento imediato das fezes pelos tutores;
🗑️destinação adequada das fezes de cães em dispositivos específicos para coleta e tratamento dos dejetos dos cães;
🐶restrição por idade (filhotes), raças potencialmente perigosas, fêmeas em cio;
👮fiscalização por parte das autoridades locais.
Durante a pesquisa sobre a opinião dos banhistas, a veterinária verificou que tutores de cães valorizam muito a oportunidade de poderem lev ar os pets à praia.
“A experiência do cão pode ser variada, já que envolve diferentes fatores como sol, ingestão de água salgada, vento e interações com cães desconhecidos. Assim, estudos a respeito do bem-estar dos cães em praias seriam importantes de serem realizados”, reforça a pesquisadora.
Apesar da opinião favorável dos tutores, Carla verificou uma baixa preocupação com outras questões não relacionadas ao lazer.
“A falta de menções em relação à preocupação com a possibilidade de contração de doenças, diante da presença de fezes e urina e aos danos ambientais também é um indicativo de que o conhecimento das pessoas sobre esses temas é insuficiente”, concluiu a pesquisadora.
Nesse sentido, o estudo sugere medidas educativas. “Torna-se evidente a necessidade implementar políticas públicas para a conscientização dos tutores, já que o controle dos cães é de sua responsabilidade”.
Diretrizes para a permissão de cães nas praias
Diante de todas essas variáveis, por fim o estudo sugere diretrizes para minimizar o impacto da presença de cães nas praias:
identificação dos animais;
apresentação de atestados de saúde atualizados;
uso obrigatório de coleira durante a circulação;
delimitação de áreas cercadas para permanência dos cães;
disponibilização de lixeiras apropriadas para o descarte de fezes, com sistema que previna vazamentos, proliferação de insetos e mau odor;
monitoramento regular das condições sanitárias da areia, com plano de contingência conforme os resultados;
campanhas educativas contínuas;
fiscalização eficiente para assegurar o cumprimento das normas.
“É fundamental reconhecer que o saneamento básico e o controle de animais errantes são fatores condicionantes para a permissão de cães em praias. Até que se atinja um nível satisfatório nestes aspectos, a circulação de pets em praias pode trazer mais desvantagens do que benefícios, tanto para as pessoas quanto para os próprios animais”, concluiu a veterinária.
Enquanto as condições listadas no estudo não forem atendidas, a pesquisadora aponta que a liberação pode ser mais prejudicial do que benéfica.
“A abordagem mais prudente, portanto, seria a proibição efetiva com fiscalização, paralelamente à criação de espaços urbanos com infraestrutura apropriada e seguros para a interação entre pessoas e seus cães — em locais com menor complexidade ecológica e de uso — considerando que, nas praias, o contato com o solo é mais direto, e há manipulação e consumo frequente de alimentos no local”, ressaltou a veterinária.
Espaços mais adequados a cães
Pelas conclusões da pesquisa, outros locais seriam mais adequados para a presença de cães.
“Parques amplos, localizados em áreas de menor sensibilidade ecológica e com estrutura pensada para a convivência entre pessoas e seus animais. A definição de onde esses espaços devem ser implantados exige debate interdisciplinar, considerando aspectos ambientais, sociais e de saúde pública”, explicou a veterinária.
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